O honorável ministro do Supremo Tribunal Federal brasileiro, Edson Fachin

   


Observação do Blog: De soberano, oriundo de supernus, soberania designa a qualidade do que é soberano ou possui a autoridade suprema. Juridicamente, como pontua De Plácido e Silva, soberania é o poder que está acima de qualquer outro, não admitindo limitações, exceto quando dispostas voluntariamente por ele, em firmando tratados internacionais ou em dispondo regras e princípios de ordem constitucional. A soberania é o supremo poder de um Estado e que nele reside como um atributo de sua personalidade soberana.

The Economist: As tarifas impostas por Donald Trump ao Brasil são mais retórica do que impacto econômico

 Brasil parece ter evitado efeitos mais severos, mas eventual retaliação de Lula pode alterar o cenário


FOTOGRAFIA: REUTERS
8 de agosto de 2025
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Em 2 de abril, o ex-presidente norte-americano Donald Trump anunciou um pacote de tarifas punitivas, justificando-o como uma represália contra países que, segundo ele, teriam “saqueado” e “pilhado” os Estados Unidos por meio de práticas comerciais desleais. Quando a mais recente rodada dessas medidas entrou em vigor, em 7 de agosto, o Brasil, que mantém um saldo comercial deficitário em relação aos Estados Unidos, passou a enfrentar uma tarifa de 50%, uma das mais elevadas aplicadas a qualquer parceiro comercial norte-americano.

A motivação, contudo, não foi de ordem estritamente econômica. Trump manifestou irritação com o julgamento de seu aliado político, Jair Bolsonaro, ex-presidente de extrema-direita do Brasil, acusado de conspirar para um golpe de Estado. Segundo o ex-presidente norte-americano, as tarifas constituiriam uma resposta àquilo que denominou “caça às bruxas” contra Bolsonaro. O Brasil, portanto, não foi o único alvo de medidas de caráter político: a Índia, por exemplo, sofreu tarifação semelhante por manter a importação de petróleo russo; já o primeiro-ministro canadense, Mark Carney, foi advertido de que o reconhecimento de um Estado palestino poderia inviabilizar acordos comerciais bilaterais.

O caso brasileiro, entretanto, revela de forma particularmente explícita o uso do comércio exterior como instrumento de pressão política e de interferência nos assuntos internos de outro Estado soberano. 

A reação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi incisiva. Declarou que o Brasil não se submeterá à tutela de potências estrangeiras nem se humilhará perante um “imperador” indesejado. Ainda assim, evitou adotar medidas retaliatórias imediatas. Parte dessa moderação deveu-se ao intenso lobby de empresas brasileiras e de seus clientes norte-americanos, que pressionaram diretamente o governo dos Estados Unidos. O resultado foi um recuo parcial por parte de Trump. Embora as tarifas tenham sido mantidas, cerca de 700 produtos foram isentos, incluindo aeronaves, petróleo, celulose e suco de laranja. Setores como café, carne bovina e frutas, no entanto, não obtiveram alívio similar. Lula, por sua vez, proclamou vitória em nome da “soberania” e registrou leve avanço em sua popularidade.

Já anteriormente às isenções, o impacto macroeconômico das tarifas sobre o Brasil se mostrava limitado. A economia brasileira, a maior da América Latina, apresenta um grau relativamente baixo de abertura: em 2024, as exportações representaram menos de 20% do PIB, percentual inferior ao observado no México (mais de um terço) e muito distante das economias asiáticas mais abertas, como Vietnã e Tailândia (acima de 70%). Além disso, o peso dos Estados Unidos como destino das exportações brasileiras diminuiu de 25% há duas décadas para 13% atualmente, enquanto a participação da China aumentou quase seis vezes, alcançando 28%.

As isenções redundaram em efeito ainda mais deferente. Estimativas da consultoria TS Lombard indicam que quase metade das exportações brasileiras destinadas aos EUA foi poupada, reduzindo a tarifa efetiva para aproximadamente 30%. O Itaú Unibanco manteve previsão de crescimento do PIB em 2,3% para 2025 e o Goldman Sachs classificou as isenções como notáveis para mitigar impactos.

Não obstante, setores específicos serão fortemente atingidos. O café, por exemplo, é um dos mais prejudicados: quase meio milhão de toneladas de grãos são exportadas anualmente para os EUA, o que corresponde a 16% das exportações brasileiras do produto. Em julho, os embarques recuaram um terço em relação ao mesmo mês de 2024, reflexo da incerteza e do adiamento de pedidos por parte dos importadores. A Cecafé, entidade representativa do setor, alertou para prejuízos significativos a torrefadores e comerciantes.

A indústria da carne bovina, com 17% das exportações voltadas ao mercado norte-americano, também enfrenta retração, tendência já observada nos últimos meses. Exportadores de frutas, especialmente mangas, açaí e outras variedades tropicais, relatam dificuldades similares.

Apesar disso, tais setores podem demonstrar resiliência. A diversificação geográfica das vendas externas, acelerada nos últimos anos, permite redirecionar parte das commodities a outros mercados. A União Europeia mantém-se como principal destino do café brasileiro, e as exportações para o Leste Asiático e para o Oriente Médio e Norte da África cresceram, respectivamente, 25% e 61% em 2024.

O comércio com a China segue em expansão: o país asiático já é o maior comprador de carne bovina brasileira e, em 2 de agosto, autorizou a importação de café de 183 novas empresas brasileiras exportadoras.

* O texto foi traduzido pelo blog.

Comunicado do Tesouro dos EUA

A sanção ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal brasileiro

WASHINGTON — Hoje, o Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC) do Departamento do Tesouro dos EUA está sancionando o ministro Alexandre de Moraes  (de Moraes), do Supremo Tribunal Federal (STF), que usou seu cargo para autorizar detenções arbitrárias preventivas e suprimir a liberdade de expressão.  

“Alexandre de Moraes assumiu a responsabilidade de ser juiz e júri em uma caça às bruxas ilegal contra cidadãos e empresas americanas e brasileiras”, disse o Secretário do Tesouro, Scott Bessent . “De Moraes é responsável por uma campanha opressiva de censura, detenções arbitrárias que violam os direitos humanos e processos politizados — inclusive contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. A ação de hoje deixa claro que o Tesouro continuará a responsabilizar aqueles que ameaçam os interesses dos EUA e as liberdades de nossos cidadãos.”  

A ação de hoje está sendo tomada em conformidade com a Ordem Executiva (EO) 13818, que se baseia e implementa a Lei Global Magnitsky de Responsabilidade pelos Direitos Humanos e visa perpetradores de graves violações de direitos humanos em todo o mundo. A ação de hoje ocorre após o Departamento de Estado dos EUA revogar o visto de Moraes e de seus familiares próximos em 18 de julho de 2025, por sua cumplicidade em auxiliar e incentivar a campanha ilegal de censura de Moraes contra cidadãos norte-americanos em território americano.

EXCESSO JUDICIAL ABUSIVO DE DE MORAES

De Moraes foi nomeado para o STF em 2017. Desde então, de Moraes tornou-se uma das figuras mais poderosas do Brasil, exercendo imensa autoridade por meio de sua supervisão de amplas investigações do STF. De Moraes investigou, processou e reprimiu aqueles que se envolveram em discursos protegidos pela Constituição dos EUA, submetendo repetidamente as vítimas a longas prisões preventivas sem apresentar acusações. Por meio de suas ações como ministro do STF, de Moraes minou os direitos de brasileiros e americanos à liberdade de expressão. Em um caso notável, de Moraes deteve arbitrariamente um jornalista por mais de um ano em retaliação por exercer liberdade de expressão.

De Moraes tem como alvo políticos da oposição, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro; jornalistas; jornais; plataformas de mídia social dos EUA; e outras empresas americanas e internacionais. Jornalistas e cidadãos americanos não foram poupados do alcance extraterritorial de Moraes. De Moraes impôs prisão preventiva e emitiu uma série de mandados de prisão preventiva contra jornalistas e usuários de mídia social, alguns dos quais estão baseados nos Estados Unidos. Ele também emitiu ordens diretamente a empresas de mídia social dos EUA para bloquear ou remover centenas de contas, muitas vezes de seus críticos e outros críticos do governo brasileiro, incluindo cidadãos americanos. De Moraes congelou bens e revogou passaportes de seus críticos; baniu contas de mídia social; e ordenou que a Polícia Federal do Brasil invadisse as casas de seus críticos, apreendesse seus pertences e garantisse sua prisão preventiva. 

De Moraes está sendo sancionado de acordo com a EO 13818 por ser uma pessoa estrangeira responsável ou cúmplice, ou que tenha se envolvido direta ou indiretamente em graves abusos de direitos humanos.

GLOBAL MAGNITSKY

Com base na Lei Global Magnitsky de Responsabilidade pelos Direitos Humanos, a EO 13818 foi emitida em 20 de dezembro de 2017, reconhecendo que a prevalência de abusos de direitos humanos e corrupção, cuja origem, no todo ou em parte substancial, está fora dos Estados Unidos, atingiu tal escopo e gravidade que ameaça a estabilidade dos sistemas políticos e econômicos internacionais. O abuso de direitos humanos e a corrupção minam os valores que constituem a base essencial de sociedades estáveis, seguras e funcionais; têm impactos devastadores sobre os indivíduos; enfraquecem as instituições democráticas; degradam o Estado de Direito; perpetuam conflitos violentos; facilitam as atividades de pessoas perigosas; e minam os mercados econômicos. Os Estados Unidos buscam impor consequências tangíveis e significativas àqueles que cometem graves abusos de direitos humanos ou se envolvem em corrupção, bem como proteger o sistema financeiro dos Estados Unidos de abusos cometidos por essas mesmas pessoas.

IMPLICAÇÕES DAS SANÇÕES

Como resultado da ação de hoje, todos os bens e interesses em bens da pessoa designada ou bloqueada descrita acima que estejam nos Estados Unidos ou em posse ou controle de cidadãos norte-americanos estão bloqueados e devem ser reportados ao OFAC. Além disso, quaisquer entidades que sejam de propriedade, direta ou indiretamente, individual ou coletivamente, em 50% ou mais, de uma ou mais pessoas bloqueadas também estão bloqueadas. A menos que autorizado por uma licença geral ou específica emitida pelo OFAC, ou isento, os regulamentos do OFAC geralmente proíbem todas as transações por cidadãos norte-americanos ou dentro (ou em trânsito) dos Estados Unidos que envolvam quaisquer bens ou interesses em bens de pessoas bloqueadas. 

Violações de sanções dos EUA podem resultar na imposição de penalidades civis ou criminais a cidadãos americanos e estrangeiros. O OFAC pode impor penalidades civis por violações de sanções com base em responsabilidade objetiva. As Diretrizes de Aplicação de Sanções Econômicas do OFAC fornecem mais informações sobre a aplicação de sanções econômicas dos EUA pelo OFAC. Além disso, instituições financeiras e outras pessoas podem correr o risco de serem expostas a sanções por se envolverem em determinadas transações ou atividades envolvendo pessoas designadas ou bloqueadas. As proibições incluem a realização de qualquer contribuição ou fornecimento de fundos, bens ou serviços por, para ou em benefício de qualquer pessoa designada ou bloqueada, ou o recebimento de qualquer contribuição ou fornecimento de fundos, bens ou serviços de qualquer pessoa. 

O poder e a integridade das sanções do OFAC decorrem não apenas da capacidade do OFAC de designar e adicionar pessoas à Lista de Nacionais Especialmente Designados e Pessoas Bloqueadas (Lista SDN), mas também de sua disposição em remover pessoas da Lista SDN, em conformidade com a lei. O objetivo final das sanções não é punir, mas sim promover uma mudança positiva de comportamento. Para obter informações sobre o processo de solicitação de remoção de uma lista do OFAC, incluindo a Lista SDN, ou para enviar uma solicitação, consulte as orientações do OFAC sobre como protocolar uma petição de remoção de uma lista do OFAC. 


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: Reprodução/Departamento do Tesouro dos EUA                                                     Foto: Rosinei Coutinho - SCO/STF

Manifesto do STJ em solidariedade ao Supremo Tribunal Federal brasileiro: "Ingerências interna ou externa na livre atuação do Judiciário contraria os pilares do Estado de Direito".

             "Como Corte Constitucional do Brasil, o Supremo Tribunal Federal exerce papel primordial na defesa do Estado Democrático de Direito, das liberdades fundamentais e dos direitos humanos. Por isso, são injustificáveis, sob qualquer ângulo, tentativas de interferência política, nacional ou internacional, no seu funcionamento e na atuação independente dos seus integrantes.

O Brasil é hoje uma vibrante democracia, com eleições e imprensa livres, instituições sólidas, separação de poderes e limites à atividade estatal decorrentes da presunção de inocência e do devido processo legal. Os princípios de uma sociedade democrática estão claramente consagrados na Constituição brasileira. O primeiro deles é a soberania, condição inegociável no Brasil e no mundo todo.

Os juízes federais e estaduais brasileiros são escolhidos por mérito, após aprovação em dificílimo concurso público nacional. O Poder Executivo não controla – e seria impensável que assim pretendesse – o funcionamento do Poder Judiciário, seja para paralisar julgamentos, seja para orientar o resultado de julgamentos.

No relacionamento com outros países, nos termos da Constituição de 1988, nosso comportamento se pauta pela igualdade entre nações, pela não-intervenção e pela solução pacífica de conflitos. Entre os princípios consagrados na Constituição, repita-se, está, logo no art. 1º, o respeito à soberania – a nossa e a dos outros.

Ingerências interna ou externa na livre atuação do Judiciário contraria os pilares do Estado de Direito, pois significaria erodir a independência, a imparcialidade e a probidade que se requer dos juízes.

Pressionar ou ameaçar os julgadores (e seus familiares) na esperança de que mudem ou distorçam a aplicação do Direito fragiliza e deslegitima a essência de um padrão de justiça baseado na máxima de que a lei vale e deve valer, com o mesmo peso, para todos, sem privilégio e sem perseguição.

Esses são os valores que devem ser defendidos, hoje e sempre.

Finalmente, no Brasil as decisões dos tribunais com competência nacional são tomadas ou confirmadas de maneira colegiada. Além disso, o nosso processo civil e penal prevê um amplo leque de recursos. Há, portanto, robustos mecanismos de pesos e contrapesos que asseguram a integridade e a seriedade do sistema judicial".

Herman Benjamim, presidente do STJ

Luís Felipe Salomão, vice-presidente do STJ

Mauro Campbell Marques, corregedor-nacional de Justiça

Benedito Gonçalves, diretor da Escola Nacional da Magistratura

 
     Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil

Entre a Censura e a Jurisdição: a Reconfiguração Esotérica do Espaço Democrático Brasileiro

Arion Louzada

A declaração de inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet pelo Supremo Tribunal Federal (STF) representa uma inflexão paradigmática na estrutura normativa da governança digital no Brasil. Os impactos jurídicos e institucionais da novel jurisprudência ofendem os princípios constitucionais da legalidade, da separação dos poderes e da segurança jurídica. Ao impor forma vária de responsabilização às plataformas digitais, sem respaldo legislativo, o STF extrapola suas competências constitucionais, inaugurando um regime de censura privada gravado pela indeterminação normativa. 

A liberdade de expressão constitui valor nuclear do Estado Democrático de Direito e condição para o exercício pleno da cidadania. A promulgação da Lei n.º 12.965/2014 — o Marco Civil da Internet — representou importante avanço na definição de direitos e deveres no ambiente digital brasileiro, consagrando princípios como neutralidade da rede, proteção de dados e responsabilidade condicionada de intermediários. Entre seus dispositivos, o artigo 19 estabelece que provedores de aplicações só podem ser responsabilizados por conteúdos de terceiros após ordem judicial específica não cumprida. A recente decisão do STF de invalidar esse dispositivo rompe com aquele arranjo normativo, inaugurando um novo paradigma de responsabilização. A mudança escancara um ativismo judicial pedestre, que fragiliza a separação dos poderes e instala a imprevisibilidade jurídica no complexo sistema digital.

O artigo 19 do Marco Civil da Internet fixa uma cláusula de salvaguarda à liberdade de expressão ao condicionar a responsabilidade civil dos provedores à existência de ordem judicial descumprida. Tal dispositivo alinha-se ao princípio da legalidade, art. 5º, II, CF/88, à proteção da livre manifestação do pensamento, art. 5º, IV e IX, e às garantias processuais do contraditório e da ampla defesa, art. 5º, LIV e LV. Ao arredar o dever de monitoramento prévio, o legislador evitou que plataformas se tornassem, de forma indireta, agentes censores ou juízes de conteúdo. A exigência de ordem judicial funciona como barreira institucional ao arbítrio privado e como mecanismo de preservação do controle jurisdicional sobre limitações a direitos fundamentais. 

A revogação agora do artigo 19 se faz acompanhar de um novo modelo de responsabilização, ditado por lógica esotérica: às plataformas transfere-se o dever de identificar, avaliar e remover conteúdos potencialmente ilícitos, independentemente de provocação do Poder Judiciário. Esse modelo suscita preocupações múltiplas: insegurança jurídica decorrente da ausência de critérios objetivos; efeitos silenciadores, chilling effects, com tendência à remoção excessiva de conteúdos por receio de sanções; ampliação de conceitos jurídicos indeterminados que favorecem interpretações arbitrárias; supressão do devido processo legal, diante da responsabilização imediata e não contraditada.

Ao deslocar o eixo de controle do Estado para entes privados, pretextando-se proteção coletiva, se consolida uma forma de censura delegada, sem base legal clara e sem salvaguardas institucionais suficientes. Frequentemente invocada como modelo, a Lei de Serviços Digitais da União Europeia, Digital Services Act — DAS, tem sido utilizada, de forma imprecisa, como referência legitimadora da jurisprudência brasileira. No entanto, a comparação revela disparidades fundamentais. A DSA foi construída por meio de processo com participação democrática, amplo debate e controle parlamentar. O regime europeu inclui garantias procedimentais rigorosas, como: obrigação de notificação e justificação na remoção de conteúdos; mecanismos recursais acessíveis; obrigações de transparência sobre moderação de conteúdo; supervisão por autoridades reguladoras independentes. Diferentemente da imposição judicial brasileira, a DSA não deriva de juízo constitucional abstrato, mas de consenso político entre instâncias representativas, respeitando os parâmetros da legalidade e da proporcionalidade. Trata-se de um regime normativo coerente e não de uma construção jurisprudencial ad hoc.

A atuação do STF, ao declarar a inconstitucionalidade do artigo 19 sem propor substitutivos legais, exemplifica o fenômeno do ativismo judicial. A Corte, ao pretender normatizar a atuação de plataformas por meio de decisões colegiadas, assume um papel normativo que pertence ao Legislativo. Esse deslocamento funcional fragiliza a lógica republicana, subverte a divisão clássica dos poderes e compromete a legitimidade democrática das decisões políticas. A criação de estruturas de fiscalização por via jurisdicional — como a sugestão de envolver entidades privadas, o CNJ ou o MP — carece de previsão legal e resulta na institucionalização de um modelo regulatório teratológico. O protagonismo de alguns ministros, que se arrogam funções de verídicos ou de emissores morais da democracia, reforça o risco de judicialização excessiva das disputas políticas, configurando um desvio de finalidade do controle de constitucionalidade, originalmente concebido como limite ao poder e não como instrumento de direção política.

A invalidação do artigo 19 do Marco Civil da Internet pelo STF representa mais do que uma mudança interpretativa: trata-se de uma reconfiguração estrutural da governança digital no Brasil. Ao conferir às plataformas o encargo de fiscalizar conteúdos, sem prévia ordem judicial, a Corte institui um sistema de censura privada, sem garantias adequadas de legalidade, transparência e contraditório. A consequência é a erosão dos fundamentos do Estado de Direito no ambiente digital e o enfraquecimento do processo democrático. O reequilíbrio institucional recomenda a restauração da primazia do Parlamento na definição de políticas públicas digitais e a autolimitação do Judiciário ao seu papel de intérprete, e não de fonte primária, do direito.

Livros que o blog recomenda

A República Tecnológica. Editora Intrínseca Ltda. Rio de Janeiro, 2025, 324 p. KARP, Alexander C. e ZAMISKA, Nicholas W. The technological republic: hard power, soft belief, and the future of the West.

Do Ventre da Vida Inteira. Brasil. Desenvolvido para acesso digital pela Editora Jornal do Mundo, 2025. 132 p. BARENHO, Robson

Age of Revolutions: Progress and Backlash from 1600 to the Present. EUA. W.W. Norton & Company, 2024, 400 p. ZAKARIA, Fareed.

A True Account of the Design, and Advantages of the South-Sea Trade. Biblioteca da Universidade de Harvard e Biblioteca da Universidade de Princeton, 1711, 38 p. DEFOE, Daniel.

O Plano REAL e outros ensaios. Livraria Francisco Alves, 1995, 358 p. FRANCO, Gustavo H. B. 

Teoria do domínio do fato: o concurso de pessoas na legislação brasileira. 1ª ed. São Paulo: Jus PODIVM, 2024. 288 p. AVELAR, Michael Procopio.

O estado atual do biodireito: questões polêmicas ético-jurídicas. 11ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Jus PODIVM, 2024. 1040 p. DINIZ, Maria Helena.

Direito das sucessões na prática. 3ª. ed., rev. e atual. São Paulo : Jus PODIVM, 2024. 526 p. ROSA, Conrado Paulino da.

Crimes hediondos e equiparados. 1ª. ed. São Paulo: Atlas, 2024. 466 p. GRECO, Rogério.

Improbidade administrativa: direito material e processual. 10ª. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2024. 395 p. NEVES, Daniel Amorim Assumpção.

Regime brasileiro de transferência internacional de dados pessoais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2024. 262 p. OLIVEIRA, Raphael Rodrigues Valença de.

Orçamento público, AFO e LRF.  12ª. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Jus PODIVM, 2024. 459 p. PALUDO, Augustinho. 

Churchill: Walking with Destiny. New York, Viking, 2018, 1152 p. ROBERTS, Andrew