O continente homicida

A silhueta de uma vítima. Recife. Foto: Eraldo Peres / AP
           Mais de 2,5 milhões de homicídios desde o início deste século, segundo relatório do Igarapé, instituto brasileiro que pesquisa segurança e desenvolvimento. Cerca de 33% por cento dos homicídios do mundo foram cometidos na América Latina, onde vivem não mais do que 8% dos habitantes do planeta. Retrato sem retoques do subdesenvolvimento social e econômico desta parte do planeta. Quatro países, Brasil, Venezuela, Colômbia e México, são responsáveis por um quarto do total de homicídios globais.
               Em número de homicídios, o Brasil está na frente de países oficialmente em guerra, como Síria, Iraque e Afeganistão. Segundo Robert Muggah, um dos pesquisadores do Instituto Igarapé, a tendência na América Latina é de deterioração da segurança e aumento de homicídios. A taxa deve continuar aumentando até 2030. Crescimento similar apenas em zonas de guerra e certos lugares da África Central e Austral. A idade de cerca de metade das vítimas varia entre 15 e 29 anos. Mais de 75% das mortes relacionadas à armas de fogo; a média global é de cerca de 40%.

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O futuro das Parcerias Público-Privadas no Brasil

STF julga constitucional resolução sobre utilização das interceptações telefônicas pelos membros do MP

     Maioria considerou que a resolução se baseia na lei e, portanto, o CNMP não exorbitou do poder regulamentador que lhe foi atribuído pela Constituição Federal. 

     Por maioria de votos (6 a 5), o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4263 e declarou a validade constitucional da Resolução 36/2009, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que dispõe sobre o pedido e a utilização das interceptações telefônicas pelos membros do Ministério Público, nos termos da Lei 9.296/1996 (Lei das Interceptações Telefônicas). A resolução foi questionada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que alegou que o CNMP agiu além de sua competência constitucional de regulamentar, tanto com invasão da autonomia funcional dos membros do Ministério Público, como por ter inovado o ordenamento jurídico.
     Prevaleceu, na sessão plenária desta quarta-feira (25), o entendimento de que a resolução se baseia na lei e, portanto, o CNMP não exorbitou do poder regulamentador que lhe foi atribuído pela Constituição Federal. De acordo com o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso – que foi seguido pelos ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux, Celso de Mello e Cármen Lúcia, presidente da Corte –, a resolução questionada apenas disciplinou a conduta do Ministério Público nas hipóteses de interceptação telefônica, sem criar normas materiais de direito penal ou de direito processual penal, até porque não prevê qualquer tipo de nulidade, mas apenas eventuais sanções administrativas para o membro do Ministério Público que venha a descumpri-la. 
    “Aqui a lógica é singela: se o Conselho Nacional do Ministério Público tem competência para punir o membro do Ministério Público que se comporte de maneira desconforme com a normatização adequada, o Conselho evidentemente também tem a competência para definir, em abstrato, qual é o comportamento exigido. Estou convencido que a resolução não cria requisitos formais de validade para a interceptação, cria apenas normas administrativas para nortear a conduta do Ministério Público nesses casos”, afirmou Barroso. Para o relator, a resolução é benéfica ao jurisdicionado, na medida em uniformizou procedimentos destinados a manter o dever de sigilo, um dos deveres funcionais dos membros do MP. 
     Em seu voto, o ministro Barroso destacou que, em matéria de interceptação telefônica, o pedido de prorrogação deve ser devidamente fundamentado e justificado para ser válido. O ministro observou que, embora o STF tenha decidido que não é necessária a transcrição completa da interceptação utilizada como meio de prova, é necessário transcrever o trecho completo da conversa para que esta possa ser contextualizada, não podendo haver edição. Em seu entendimento, a resolução observou esses dois importantes pontos. 
     De acordo com o relator, os dispositivos da resolução cumprem o mandamento constitucional que disciplina os deveres do Ministério Público, inclusive o de sigilo. Para ele, a resolução uniformiza e padroniza alguns procedimentos formais em matéria de interceptação telefônica, dando concretude ao princípio da eficiência. Nesse sentido, a resolução prevê, em seu artigo 4º, o que deve constar do pedido de interceptação, e dispõe que eventual pedido de prorrogação deve ser acompanhado por mídia que contenha o inteiro teor do áudio das comunicações interceptadas, com a indicação dos trechos relevantes e o relatório circunstanciado. 
    O relator também rejeitou o argumento de que a resolução cria novos requisitos formais de validade para a interceptação telefônica. “A consequência para eventual inobservância dos preceitos do ato impugnado não é a nulidade das interceptações telefônicas, mas sim eventual procedimento administrativo disciplinar, por se tratar de previsões ligadas ao dever funcional de sigilo e à eficiência da atuação ministerial”, disse Barroso. O ministro afirmou ainda que, ao contrário do alegado, a resolução também não viola a independência funcional dos membros do MP. 
     “A resolução não trata da imposição de uma linha de atuação ministerial, o que poderia violar a independência funcional, mas apenas de uma padronização formal mínima dos pedidos de prorrogação. A propósito, ainda que no âmbito de uma mesma apuração, pode haver a atuação de mais de um membro do Ministério Público em momentos distintos. Assim a existência de um grau mínimo de padronização atende aos princípios da eficiência e é altamente conveniente para a continuidade das investigações”, assinalou o relator. 

Divergência 

     O ministro Alexandre de Moraes divergiu parcialmente do relator. Para ele, a resolução contém dispositivos que inovam, ao exigir procedimentos não previstos na Lei de Interceptações Telefônicas e ao dotar membros do Ministério Público de poderes que não lhes foram conferidos. São eles: o parágrafo 2º do artigo 4º, o artigo 5º e 6º, o parágrafo 3º do artigo 8º e o artigo 9º. O primeiro exemplo disso, segundo afirmou, é o disposto no parágrafo 2º do artigo 4º, que permite ao membro do Ministério Público responsável pela investigação criminal requisitar os serviços e os técnicos especializados às concessionárias de serviço público. “O que a lei prevê é que a polícia faça isso, com o acompanhamento do Ministério Público”, enfatizou. 
     Moraes também apontou inovação constante do artigo 5º da resolução, na parte em que exige que o pedido de prorrogação da intercepção telefônica, por parte do membro do MP, seja instruído com os áudios (CD/DVD) com o inteiro teor das comunicações interceptadas, indicando neles os trechos das conversas relevantes à apreciação do pedido. “O pedido de prorrogação deve ser necessariamente fundamentado, mas não com apresentação da mídia. A lei não exige isso, portanto não se trata de padronização de procedimentos. Isso fere a autonomia funcional do membro do Ministério Público e também a reserva legal”, afirmou. 
     A divergência aberta pelo ministro Alexandre de Moraes foi seguida pelos ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio (que divergiu em maior extensão). Essa corrente ficou vencida no julgamento. 
                                                                                                                         VP/C 
                                                                                                                         stf.jus.br

CNJ abre processo contra juiz do Piauí acusado de vender sentença

     O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu por unanimidade, nesta terça-feira (24/4), abrir um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) para investigar a conduta do juiz José Willian Veloso Vale na 2ª Vara da Comarca de Campo Maior/PI, a 115 quilômetros de Teresina. 
Foto: Gil Ferreira / Agência CNJ
     O juiz, afastado em 2011 por decisão do Tribunal de Justiça do Piauí (TJ-PI), é acusado de violar os deveres funcionais por solicitar dinheiro em troca de favorecimento em decisões judiciais envolvendo a prefeitura de Nossa Senhora de Nazaré, município vizinho a Campo Maior. 
     Durante a 270ª Sessão Plenária do Conselho, o Corregedor-Nacional de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, relator do processo, considerou que a conduta é passível de ampla investigação para apuração das supostas transgressões funcionais e práticas ilícitas, devido aos fortes indícios demonstrados no processo. 
     Noronha decidiu pela abertura do PAD e foi acompanhado pelos demais conselheiros do CNJ. A defesa de José Willian Veloso Vale alegou, em um dos recursos no CNJ, que a investigação estaria prejudicada pois o magistrado havia requerido a aposentadoria voluntária. Contudo, o CNJ decidiu que aposentadoria voluntária não é obstáculo para a continuidade dos trabalhos de investigação de condutas dos magistrados. Para o ministro Noronha, não se pode admitir o pedido de aposentadoria voluntária, o que deverá ser apreciado após a apuração das supostas falhas funcionais e das penalidades cabíveis. 
                                                                                                                 Agência CNJ de Notícias

Conteúdos da Bíblia por trás de um manuscrito do Alcorão

Foto: Christie's
  Interações religiosas. A imagem de um palimpsesto onde especialistas observam texto cristão apagado para dar lugar a um manuscrito do Alcorão do século VIII. A descoberta é da pesquisadora Eléonore Cellard, do Collège de France. Atrás da escrita árabe as letras coptas que remetem ao Livro do Deuteronômio do Antigo Testamento - parte da Torá e do Velho Testamento cristão.

Pela prisão após decisão de 2ª Instância

Arion Louzada
    
       A Constituição Federal em seu art. 5º, LVII, determina que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Essa presunção de não culpabilidade não se pode confundir com óbice à execução penal, porque erro teratológico aplicar-se o sentido de dispositivos constitucionais, individualmente, quando a hermenêutica jurídica exige interpretação conjunta. 
     A Constituição Federal brasileira é garante do contraditório, da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição, direitos que podem ser acessados, na prática, com o manejo de uma série robusta de recursos processuais, ausente a faculdade de que condenados em segunda instância possam vir a obter, ordinariamente, efeito suspensivo de pena em sede de recursos especial e extraordinário. O efeito suspensivo só - e somente só -, pode ser obtido como exceção em hipótese de presença de pressupostos em cautelar de REsp e RE. Até para os não devotos do brocardo de Ulpiano, in claris cessat interpretatio, exceção é aquilo que se exclui da regra. Absoluta é a ausência de base constitucional e legal à exigência de trânsito em julgado para início da execução de pena privativa de liberdade, no Brasil. A interpretação das leis é uma construção de raciocínio logico, bom senso e discernimento. 
     Os recursos processuais possíveis após o julgamento em 2ª instância, na ordem jurídica brasileira positivada, jamais podem questionar o quanto foi justo o decisum; o que decorre, em primeiro plano, da impossibilidade de reexame probatório. Defeso é o trânsito em julgado do último recurso cabível para o início do cumprimento da pena, porque em sentido oposto conceder-se-ia à prescrição status de recurso processual efetivo. 
     Já se disse - mas como poucos escutam não custa repetir -, que a presunção de não culpabilidade, reverenciada na legislação pátria, faz muito está consagrada no direito alienígena mais respeitável, sem impedir o início da execução da pena. Se a Justiça depende daqueles que a distribuem - e depende -, bem ameaçada restará se os membros do STF substituírem a ciência hermenêutica por suas questionáveis luzes.

Constitucionalidade da Prisão em 2ª Instância

NOTA TÉCNICA

* Membros do Ministério Público e Juízes de Direito pela execução provisória de pena no Brasil.

NÃO VIOLAÇÃO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA 

     O princípio da presunção de inocência, ao longo dos tempos, evidenciou-se de extremo valor para a liberdade individual e a sociedade civilizada. Suas implicações, no entanto, jamais foram reputadas absolutas. 
     Não se trata de cláusula meramente declaratória em benefício exclusivo de um cidadão, mas sim de parâmetros para o exercício legítimo da atividade de persecução criminal em favor da subsistência da sociedade. Embora se firme o amplo significado da presunção de inocência, ora regra de tratamento, ora regra de juízo, ora limitador da potestade legislativa, ora condicionador das interpretações jurisprudenciais, o referido princípio, enquanto tratamento dispensado ao suspeito ou acusado antes de sentença condenatória definitiva, tem natureza relativa. 
     A propósito, o termo ‘presunção de inocência’, se analisado absolutamente, levaria ao paroxismo de proibir até mesmo investigações de eventuais suspeitos, sem mencionar a vedação de medidas cautelares constritivas no curso de apurações pré-processuais, ensejando, consequentemente, a inconstitucionalidade de qualquer persecução criminal. Contudo, normativamente, a presunção de inocência não consubstancia regra, mas princípio, que não tem valor absoluto, pelo que, deve ser balizado por outros valores, direitos, liberdades e garantias constitucionais. Por tais razões, o princípio da presunção de inocência deve ser ponderado, a fim de que não se exacerbe a proteção de sujeitos à persecução criminal, em detrimento dos valores mais relevantes para a sociedade. 
     A interpretação do princípio da presunção de inocência deve-se operar em harmonia com os demais dispositivos constitucionais, em especial, os que se relacionam à justiça repressiva. O caráter relativo do princípio da presunção de inocência remete ao campo da prova e à sua capacidade de afastar a permanência da presunção. Há, assim, distinção entre a relativização da presunção de inocência, sem prova, que é inconstitucional, e, com prova, constitucional, baseada em dedução de fatos suportados ainda que por mínima atividade probatória. 
     Disso decorre que não é necessária a reunião de uma determinada quantidade de provas para mitigar os efeitos da presunção de inocência frente aos bens jurídicos superiores da sociedade, a fim de persuadir o julgador acerca de decreto de medidas cautelares, por exemplo; bastando, nesse caso, somente indícios, pois o direito à presunção de inocência não permite calibrar a maior ou menor abundância das provas. 
     Ademais, o princípio da livre convicção motivada remete à livre ponderação dos elementos de prova pelo Judiciário, de um ponto de vista objetivo e racional, a quem corresponde apreciar o seu significado e transcendência, a fim de descaracterizar a inocência, de caráter iuris tantum, ante a culpabilidade. Para se poder afirmar que determinado sujeito praticou um delito, é preciso que se tenha obtido uma prova; que essa obtenção tenha cumprido as formalidades legais e que o julgador haja valorado corretamente a prova. 
     Nem mesmo a Declaração de Direitos pretendeu que a presunção de inocência tivesse valor absoluto, a ponto de inviabilizar qualquer constrangimento à liberdade do indivíduo antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, conforme dispõe, em seu artigo 9º, contrariamente à aplicação de qualquer medida restritiva de liberdade, salvo arbitrárias (Art. 9º – “Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado”). Certo é que a instituição do princípio da presunção de inocência deu-se para atenuar a violação do status libertatis do sujeito, seja como investigado, seja como réu, que, antes, abria margens a formas degradantes de colheita de prova, permitindo-se até mesmo tortura. 
     Se o direito constitucional e processual, ao perseguir determinados fins, admite constrições entre os princípios (a verdade material é restringida pela proibição de prova ilícita), se há elasticidade na própria dignidade humana (como exemplos: mãe, doente terminal que doa seu órgão vital para salvar seu filho; o condenado à morte que renúncia pleitear o indulto; o militar, por razões humanitárias, dispõe-se a realizar missão fatal para salvar a vida de milhares de pessoas), não é menos admissível a restrição do princípio da presunção de inocência, cuja aplicação absoluta inviabilizaria até mesmo o princípio da investigação e da própria segurança pública. 
     Evidencia-se, destarte, a necessária revisão dos “tradicionais conceitos dogmáticos de culpa, culpabilidade e pena, reescrevendo um panorama teórico mais realista e factível, intimamente relacionado às modernas demandas sociais” e o combate à macro criminalidade organizada. 
     Hoje, as relações econômicas tendem a ser impessoais, anônimas e automáticas, possibilitando, por conseguinte, uma criminalidade organizada pautada em aparatos tecnológicos, caracterizada pelo racionalismo, astúcia, diluição de seus efeitos e, assim, a garantia da permanência da organização está na execução de procedimentos de inteligência que minem os operadores do sistema para a persecução e sanção penal. Nesse contexto, as organizações criminosas absorvem agentes públicos, corrompendo ações do Estado. 
     Tratando-se, pois, de crime organizado, a sociedade é duplamente agredida, isto é, verifica-se prejuízo social nefasto oriundo das ações criminosas e prejuízo oriundo das ações artificiais do Estado que, impotente para evitar e prevenir o grave delito, ilude a sociedade com a imagem de eficiência funcional da investigação criminal. Mais grave é a deterioração da própria democracia, porquanto, ao adquirir poder de controle econômico e político, o crime organizado passa a ocupar posições de “autoridades democráticas”. 
     Torna-se, assim, imprescindível recuperar a capacidade de executar adequadamente as penas, porque a ineficácia da persecução penal estatal não se situa na dosagem das penas, mas na incapacidade de aplicá-las. “A regulamentação legal dos fenômenos humanos deve ter em vista a implementação da lei, ou seja, como se dará, concretamente, sua aplicação, circunstância que não tem sido objeto de preocupação frequente de nossos legisladores”. 
      Desse modo, a condenação em segundo grau deve viabilizar o cumprimento das sanções penais, inclusive as privativas de liberdade, ainda que haja recurso extraordinário ou especial ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, tendo, inclusive, essa última Corte já pacificado o entendimento na Súmula 267: “A interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão”. 
     Ademais, no plano internacional, a prisão após a condenação em 2ª instância é admitida nos Estados Unidos da América e países da Europa (França, Alemanha e Portugal). A título de esclarecimento, em Portugal, o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça é de que o arguido preso em situação de prisão preventiva, no momento em que vê a sua situação criminal definida por acórdão condenatório do Supremo, deixa de estar em situação de prisão preventiva para estar em situação análoga à de cumprimento de pena, mesmo que do acórdão condenatório tenha sido interposto recurso, que impeça o trânsito em julgado da decisão condenatória, para o Tribunal Constitucional. Segundo o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso de constitucionalidade não tem a natureza de recurso ordinário nem respeita diretamente à decisão que, conhecendo do mérito da causa, ordenou e manteve a prisão, pois é um recurso restrito à matéria de constitucionalidade, não se traduzindo numa declaração de nulidade do acórdão recorrido e, uma vez interposto tal recurso, não há a necessidade da análise de expiração dos prazos da prisão cautelar na data da decisão. 
     Na perspetiva histórica das Cortes brasileiras, a admissibilidade da execução provisória, na verdade, está em consonância com entendimentos anteriores sobre a recepção do artigo 594 do Código de Processo Penal (CPP), que tratava da necessidade do réu ser recolhido à prisão para poder apelar, a não ser que fosse primário e de bons antecedentes. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça posicionou-se, num primeiro momento, pela recepção do artigo 594 do CPP pela Constituição brasileira de 1988, passando a exigir posteriormente alguns requisitos subsidiários à exigência da prisão para apelar. 
     A edição da Súmula 9 do Superior Tribunal de Justiça brasileiro (“A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência.”) demonstrou claramente o posicionamento jurisprudencial firme quanto à ausência de contradição entre o artigo 594 do CPP e o princípio da presunção de inocência, que podem ser observadas nas decisões abaixo transcritas: 
RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL. NECESSIDADE DE PRÉVIO RECOLHIMENTO A PRISÃO (ART. 594 DO CPP). ALEGAÇÃO DE INCOMPATIBILIDADE DESSA EXIGÊNCIA COM O PRECEITO DO ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO. 
Improcedência dessa alegação já que a prisão provisória processual, como providência ou medida cautelar, está expressamente prevista e permitida pela Constituição em outro inciso do mesmo artigo 5º (inciso LXI). No caso, a prisão decorre de mandado judicial (art. 393, I, do CPP). Primariedade e bons antecedentes são dois requisitos que não se confundem, podendo verificar-se o primeiro e estar ausente o segundo. Recurso de ‘Habeas Corpus’ a que se nega provimento. (STJ, RHC 270/SP – ‪1989/0010264-8, Min. ASSIS TOLEDO, 5ª T., v.u., j. 25.10.1989) 
PRISÃO DECORRENTE DE SENTENÇA CONDENATÓRIA RECORRÍVEL. EFEITO MERAMENTE DEVOLUTIVO DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL.
I – A prisão decorrente de sentença condenatória recorrível (CPP, Art. 393, I), tanto quanto a prisão do condenado para poder apelar (CPP, Art. 594), é de natureza processual, compatibilizando-se, por isso, com o princípio inscrito no art. 5º, LVII, da Constituição de 1988, segundo o qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da decisão condenatória. II – O efeito meramente devolutivo dos recursos extraordinário ou especial, pela mesma razão, também não se choca com o princípio constitucional mencionado. III – Pedido indeferido. (STJ, HC 84/SP – ‪1989/0009250-2, Min. CARLOS THIBAU, 6ª T., v.u., J. 31.10.1989) 
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA. PRETENSÃO DE AGUARDAR JULGAMENTO DE APELAÇÃO EM LIBERDADE. ART. 594, DO C.P.P. I – O artigo 594, do Código de Processo Penal, que tem o escopo de abrandar o princípio da necessidade do recolhimento à prisão para apelar, só alcança quem, ao tempo da decisão condenatória, esteja em liberdade. Não beneficia aqueles que já se encontram presos provisoriamente, pois, um dos efeitos da sentença condenatória é ser o condenado conservado na prisão (Art. 393, inciso I, C.P.P.). II – Recurso improvido. (STJ, RHC 2995/ES – ‪1993/0023100-6, Min. PEDRO ACIOLI, 6ª T., v.u., J. 21.9.1993). 
     Os julgados sustentam a não revogação da norma processual acima referida diante à presunção de inocência, resguardando a manutenção do status quo estabelecido pelo Código Processual Penal de 1941. Declarou-se assim a compatibilidade entre os princípios consagrados nos incisos LXI e LXVI, ambos do artigo 5º e o artigo 594 do CPP. Vale dizer que a prisão cautelar poderá ser efetuada por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária, quando ausente permissão legal para a liberdade provisória. 
     Do mesmo modo, o Supremo Tribunal Federal declarou válido o artigo 594 do CPP frente a Constituição brasileira de 1988, inclusive, frente à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (“Pacto de San José da Costa Rica”), exigindo, assim, a prisão como requisito indispensável ao recurso de apelação. 
PENAL. PROCESSUAL PENAL. “HABEAS CORPUS”. RÉU CONDENADO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. DECISÃO CONFIRMADA PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DETERMINAÇÃO NO SENTIDO DA EXPEDIÇÃO DE MANDADO DE PRISÃO CONTRA O RÉU. PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE. C.F., ART. 5., LVII. C.P.P., ART. 594. I. – O direito de recorrer em liberdade refere-se apenas a apelação criminal, não abrangendo os recursos extraordinário e especial, que não tem efeito suspensivo. II. – A presunção de não culpabilidade até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória – C.F., art. 5º, LVII – não revogou o artigo 594 do C.P.P. III. – Precedentes do STF. IV. – H.C. indeferido. (HC 72741/RS, Min. CARLOS VELLOSO, 2ª T., v.u., J. 1.9.1995) 
EMENTA: HABEAS-CORPUS. DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. INDEFERIMENTO. DECISÃO FUNDAMENTADA. ARTIGO 594 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRECEITO NÃO REVOGADO PELO ARTIGO 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1 – Recurso de apelação interposto pelo Ministério Público. Provimento para submeter o paciente a novo julgamento, pelo Júri, sem o direito de recorrer em liberdade. Questão superada pelo advento da sentença condenatória que vedou esse direito em decisão fundamentada.
2 – É pacífico, nesta Corte, o entendimento de que o artigo 594 do Código de Processo Penal não foi revogado pelo artigo 5º, LVII, da Constituição Federal, que instituiu o princípio da presunção de inocência até o trânsito em julgado da sentença condenatória. Precedentes. Habeas-Corpus prejudicado. (HC 80548/PE, Min. MAURÍCIO CORREA, 2ª T., v.u., J. 20.2.2001).
   No entanto, o reconhecimento do caráter instrumental da prisão decorrente da sentença condenatória recorrível sofreu novamente malabarismos da doutrina e da jurisprudência brasileira para reconhecê-la como forma excepcional de execução provisória da pena imposta em sentença condenatória, com recurso exclusivo da defesa, para o fim de beneficiar o condenado-preso dos direitos consagrados na Lei de Execução Penal (progressão ou cumprimento inicial em regime aberto ou semi-aberto, livramento condicional, remição da pena pelo trabalho etc.), na “…consideração de que o princípio da presunção de inocência foi, constitucionalmente, articulado para favorecer e, não, para prejudicar o acusado.” Denota-se, neste caso, uma hipótese de antecipação dos efeitos da condenação transitada em julgado, cuja restrição do princípio da presunção de inocência é justificada pelo princípio constitucional do favor rei. 
     O preceito foi trabalhado flexivelmente pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro para favorecer o acusado, conforme se verifica a Súmula 716, que possibilita a progressão de regime de cumprimento de pena ou a aplicação imediata de regime prisional menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. 
   Destaque-se, por fim, que a prisão em 2ª instância também está em consonância com a jurisprudência do próprio STF, com base em outro precedente julgado em 2005 (HC 86.125/SP, Ellen Gracie, DJ: 2/09/05). A partir dessa decisão, pacificou-se no STF o entendimento, no sentido de que com o esgotamento da instância ordinária, que ocorre no Tribunal de segundo grau (tribunais de justiça, TRFs e STM) não corre prescrição da pretensão punitiva, mas inaugura a contagem do prazo de prescrição da pretensão executória da pena. Ressalte-se: só corre o prazo de prescrição executória à medida que é possível executá-la, isto é, a partir da decisão condenatória da 2ª instância. 
    Nessa direção, mais recentemente, vale destacar que o STF, em sede de repercussão geral, ratificou, a adequação da prisão após condenação em 2ª instância: 
EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). ACÓRDÃO PENAL CONDENATÓRIO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. JURISPRUDÊNCIA REAFIRMADA. 1. Em regime de repercussão geral, fica reafirmada a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. 2. Recurso extraordinário a que se nega provimento, com o reconhecimento da repercussão geral do tema e a reafirmação da jurisprudência sobre a matéria. (ARE 964246 RG, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, julgado em 10/11/2016, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-251 DIVULG 24-11-2016 PUBLIC 25-11-2016 ). 
     Ademais, coerentemente com o afastamento do princípio da presunção de inocência e pelo início da execução da sanção penal depois do julgamento condenatório de 2ª instância, o próprio STF, ao julgar o RE 696533/SC, em 6 de fevereiro de 2018, Relator o Min. Luiz Fux e Redator do acórdão, o Min. Luiz Barroso, determinou que o prazo prescricional da prescrição da pretensão executória conta-se não da data do trânsito em julgado para a acusação (artigo 112, I do Código Penal) , mas sim levando em consideração o esgotamento da instância ordinária, a partir da qual só cabem os recursos extraordinário e especial que não possuem efeito suspensivo. 
     Por todos esses argumentos, nada justifica que o STF revise o que vem decidindo no sentido de que juridicamente adequado à Constituição da República o início do cumprimento da sanção penal a partir da decisão condenatória de 2 ª instância. A mudança da jurisprudência, nesse caso, implicará a liberação de inúmeros condenados, seja por crimes de corrupção, seja por delitos violentos, tais como estupro, roubo, homicídio etc.